Muitos problemas de saúde são gerados, entre outras coisas, pelo sedentarismo. É verdade que, aos poucos, o brasileiro está fazendo alguma coisa nesse sentido. Não só os jovens, mas também quem já passou dos 50 anos de idade, têm se matriculado em academias de ginástica e musculação, dança e Crossfit para ter um corpo mais bem definido, ganhar mais resistência física e mais saúde em geral. Na contramão, isso tem se refletido no aumento do volume de pacientes nas clínicas ortopédicas. De acordo com o médico ortopedista Lafayette Lage é bastante expressivo o número de pessoas que sofrem lesões principalmente por dois motivos: 1. Nunca se consultaram com um ortopedista para avaliar todas as articulações; 2. Não recebem supervisão profissional adequada nas academias.
“Um exame simples poderá avaliar as condições das articulações dos ombros, quadris, joelhos, tornozelos, pés, mãos, cotovelos e punhos, além da coluna cervical, torácica e lombar. Todos esses pontos costumam sofrer agressões de movimentos bruscos e repetitivos, formando lesões que muitas vezes só são tratadas com cirurgia. Melhor do que tomar remédio e fazer cirurgia é agir preventivamente. Sendo assim, toda pessoa deveria atrasar uma ou duas semanas a matrícula na academia para se consultar antes com um ortopedista. Esse tipo de exame leva poucos minutos e evita muitos problemas, já que é bastante comum haver alterações anatômicas que impedem a realização de exercícios de repetição e força. Até mesmo pessoas que começam a fazer caminhadas por recomendação do cardiologista podem lesionar os joelhos caso eles sejam voltados para fora ou para dentro, por exemplo. Por isso, é fundamental conhecer as condições físicas reais antes de se entregar à prática de exercícios físicos ou esportes de impacto”, afirma o médico.
Um dos exercícios mais populares nas academias e que gera muitas queixas é o abdominal. Na opinião do ortopedista, a maioria das pessoas tem dificuldade em elevar a cabeça sem forçar o pescoço. “Quando a pessoa é supervisionada por um profissional competente, ela aprende a evitar esse tipo de erro, aprende a se proteger. Muitas vezes, além de forçar o pescoço, a pessoa ainda faz os movimentos com as pernas estendidas – um erro muito grave. O ideal, neste caso, é fazer abdominais com as pernas flexionadas. Só assim é possível preservar um músculo muito importante e estabilizador do corpo humano: o psoas. Gerador de força, esse músculo flexor do quadril pode comprometer a coluna lombar quando lesionado”.
Lage chama atenção, também, para os exercícios abdominais que são executados com levantamento de perna. “Nunca se deve posicionar os braços ao longo do corpo e usá-los como alavanca para sustentar as pernas no alto. Esse tipo de erro pode comprometer seriamente a coluna lombar se forem realizadas várias séries. O recomendado, neste caso, é flexionar as pernas em 90 graus ao aproximá-las do peito”.
O leg press, fundamental no fortalecimento muscular das pernas, é outra fonte de preocupação dos médicos ortopedistas. “Esse é um dos grandes vilões do quadril. Levando em consideração que 15% das pessoas sofrem de ‘Síndrome do Impacto Femoroacetabular’ – condição em que os ossos do quadril têm um formato alterado, que não propicia um encaixe perfeito e favorece o atrito entre eles – é muito comum que esse tipo de exercício contribua para a destruição da cartilagem no médio prazo. Para evitar esse tipo de situação que só é resolvida com cirurgia, é indicado checar se o alinhamento da articulação favorece lesões antes de começar a praticar esse e outros exercícios que envolvam movimentos de agachamento. Neste sentido, existe inclusive uma manobra específica e muito rápida para diagnosticar alterações anatômicas no quadril”, alerta o médico.
A esta altura, pode parecer que andar na esteira e fazer bicicleta (spinning) são os exercícios mais seguros das academias. Mas não é bem assim! “Muitos pacientes que só fazem esteira se queixam de dores nas costas. Por quê? Má postura”, diz Lage. De acordo com o especialista, é fundamental manter uma postura ereta, evitando olhar para o monitor à frente ou para baixo. “É importante deixar o eixo reto. O peso do pescoço deve passar pelo meio da coluna dorsal, pelo meio da bacia, e ir diretamente para os tornozelos. A pessoa deve caminhar na esteira como se alguém estivesse puxando seu cabelo por trás, mantendo seu olhar sempre acima do horizonte. Nas aulas de spinning, vale a pena ajustar o banco de forma que ele esteja alto o suficiente para evitar hiperflexão do quadril e má postura”.
O médico ainda adverte sobre os riscos que movimentos do tipo polichinelo ou equipamentos abdutores representam para as articulações dos ombros. “A fim de evitar bursite e outras lesões, é importante que o indivíduo evite movimentos bruscos e rápidos acima de 60 graus. As pessoas têm mania de abrir ou elevar bem os braços, mas há um risco de lesão muito grande nesse tipo de treino. Sendo assim, menos é mais. De modo geral, para continuar se exercitando por muito tempo – como é ideal para evitar várias doenças – a amplitude dos movimentos tem de ser menor do que vem sendo praticada pelas pessoas. E tem mais: ‘aquecer sempre antes e alongar sempre depois’ deve ser um mantra praticado toda vez que se vai a uma academia. Outra dica é: se estiver cansado, não se exercite ou mude de exercício para outro que não force a barra”.
RISCOS DO CROSSFIT
O Crossfit vem ganhando, nos últimos cinco anos, uma legião de adeptos mundo afora. São exercícios que se baseiam em movimentos funcionais de alta intensidade e curta duração, visando melhoria da condição física e composição corporal através de movimentos que alternam força, potência, velocidade e resistência. Problema: como os praticantes são bastante competitivos, costumam ir até o limite para conseguir ‘performar’. Estudo publicado no jornal Orthopaedic Journal of Sports Medicine (2014) revela que a taxa de lesões do Crossfit é de 20% e que os homens são geralmente os mais afetados – joelhos, ombros e lombar são os pontos mais vulneráveis. Daí a importância de se contar com um coach (técnico) habilitado para conduzir o praticante de forma segura.
“Mais uma vez, como em outros esportes, problemas de postura, falta de técnica e supervisão apropriadas são os pontos mais vulneráveis do Crossfit. Isso sem contar que muitos praticantes entusiasmados querem se provar a toda hora, sem saber se podem forçar o quanto desejam – e geralmente acabam descobrindo que não podem. Quando o atleta já está cansado e insiste em fazer mais uma série de repetições, é aí que a lesão costuma ocorrer. Sendo assim, é imperativo conhecer os limites do corpo e saber a hora de parar. Fazer mais não significa fazer melhor quando o exercício não está sendo executado corretamente ou quando a pessoa tem limitações clínicas”, afirma Lafayette Lage – chamando atenção para o fato de que a reabilitação depois de uma cirurgia no ombro ou no quadril (as mais comuns derivadas do Crossfit) costuma ser lenta e emocionalmente desgastante. “A dor, por menor que seja, é um sinal de alerta – e jamais deve ser subestimada”.